quarta-feira, 30 de abril de 2008

Carandiru: O que resta hoje?

O que restou do caso Carandiru – cuja justiça puniu o falecido Ubiratan Barbosa acusado de dar ordens para a entrada de policiais na Casa de Detenção do Carandiru, transformando-se em um dos maiores assassinatos promovidos pelo Estado de São Paulo.
As pessoas que promoveram esse verdadeiro horror onde estão? Sabe-se apenas dos que foram massacrados por opressores em nome do Estado. Além de Ubiratan Barbosa, onde estão os policiais que cometeram tal brutalidade? Nas ruas? Continuando a matar pessoas? Promovendo a opressão entre a população? As perguntas são muitas, mas, estão demasiadamente distantes de serem respondidas.
Para tentar responder as perguntas, é necessário resgatar o que aconteceu no ano de 1992, mais precisamente no dia 02 de outubro.
Neste ano e nesse mesmo dia, presos da Casa de Detenção do Carandiru jogavam futebol, durante o jogo entre a turma da área de alimentação e o time dos encarregados da faxina, ocorreu um desentendimento entre dois presos, causado pela disputa no espaço de varal do pavilhão 09. Segundo Sandra Carvalho e Evanize Sydow[1], “Barba” pendurava sua roupa no varal quando foi provocado verbalmente por “Coelho”. “Barba” de um soco em “Coelho”. Este, por sua vez, utilizou um pau que escorava a corda do varal, atingindo “Barba” na cabeça, que foi socorrido por agentes penitenciários, sendo levado para a enfermaria. “Coelho” foi atacado por agentes penitenciários e levado para outro local . O portão que dá acesso ao segundo pavimento foi trancado pelos guardas. Os presos reagiram, e iniciaram a desordem. Um amigo de “Barba” considerou a agressão inerme e desafiou um comparsa de “Coelho” para brigar. Nesse bojo, um agente penitenciário tentou separar, mas foi advertido por outros detentos, que queriam que a briga continuasse. O tumulto crescia. O sentinela PM Leal vê o agente penitenciário no meio do grupo e, mirando o fuzil, ordena que soltem o carcereiro. Um outro agente penitenciário grita para que o alarme seja acionado. O alarme soa. Pelo telefone da guarita, o PM Leal comunica o Batalhão da Guarda e alerta que há rebelião no Pavilhão 09. Às 13h50, carcereiros tentam, sem sucesso, abafar as brigas entre os presidiários. Não há probabilidade de fugas dos detentos, não há reféns e tampouco reivindicações por parte dos presos. Às 14h00, os carcereiros haviam abandonado o local. O pavilhão 09 estava controlado pelos presos para o acerto de contas entre eles. Na gíria carcerária, os manos dizem “a casa virou”.
Nesse momento e que começa a surgir à figura de Coronel Ubiratan Barbosa, Comandante do Policiamento Metropolitano que tomou conhecimento dos tumultos por meio do rádio do Comando de Policiamento (Copom), que havia sido avisado pelo Ismael Pedrosa, Diretor da Casa de Detenção.
Ubiratan Barbosa pede auxilio ao Comando do Policiamento de Choque de São Paulo, Tenente Coronel PM Luiz Nakaharada, que envia reforço. O coronel Ubiratan se reúne também com os juizes Ivo de Almeida e Fernando Antônio Torres Garcia para avaliar a situação. Ubiratan conversa por telefone com o então Secretário de Segurança Pública, Pedro Franco Campos, que entra em contato com o Governador do Estado de São Paulo, Luis Antônio Fleury Filho. Às 14h51, avalia-se que a situação é grave e é oficializada a passagem do comando da decisão para a Polícia Militar. Autoridades superiores a Ubiratan avaliam a necessidade de uma invasão à Casa de Detenção. Às 15h30, a tropa de choque, sob o comando do coronel Ubiratan, estaciona do lado de fora da muralha.
De acordo com a pesquisa feita por Sandra Carvalho e Evanize Sydow, a denúncia oferecida pelo Ministério Público, apesar do grande tumulto e de sinais de fogo, não havia risco de fuga. Com a chegada da Polícia Militar, muitos presos começaram a jogar estiletes e facas para fora, evidenciando que não resistiriam à invasão. Alguns colocaram faixas nas janelas, recomendando um pedido de trégua.
No entanto, autoridades reunidas decidem que antes da invasão da pavilhão 09, o diretor da Casa de Detenção iria tentar a ultima negociação utilizando um megafone. Entretanto, soldados do Grupo de Ações Táticas Especiais quebram o cadeado e correntes do portão do pavilhão 09, enquanto o coronel Ubiratan se reúne com os coman­dantes dos 1º, 2º e 3º Batalhões de Choque da Polícia Militar. Não houve negociação alguma. As tropas da Polícia Militar afastaram Ismael Pedrosa do caminho e, às 16h30, invadiram o pavilhão 9 sob o comando e instrução de Ubiratan Guimarães, ação que seguiu até as 18h30. Trezentos e vinte cinco policiais militares ingressaram no pavilhão 09 sem os respectivos distintivos e crachás de identificação.
Segundo o depoimento dos próprios policiais envolvidos na ação, exceto o depoimento do coronel Ubiratan, os mesmos partiram para os andares superiores. Não foi permitida a presença de autoridades civis durante a invasão. Indaga-se: Porque?
A maioria dos presos foi para suas celas, onde muitos foram mortos. No entanto, os PMS que invadiram o local, dispararam suas armas contra os presos, (muitos deles estavam portados de metralhadoras, fuzis e pistolas automáticas), atiraram visando principalmente a cabeça e o tórax. Alem das armas, foram utilizados cachorros para atacar os detentos feridos. Resultado: foram encontrados 111 detentos mortos: 103 vítimas de disparos (515 tiros ao todo) e 8 mortos devido a ferimentos promovidos por objetos cortantes. Não houve policiais mortos. A ação resultou, ainda, em 153 feridos, sendo 130 detentos e 23 policiais militares.
Após o massacre realizado por policiais, estes imediatamente iniciam o processo de destruição e remoção de provas valiosas que teriam posteriormente possibilitado a atribuição de responsabilidade pelas mortes a indivíduos específicos. No entanto, não foi isso que aconteceu, o acesso de civis aos andares superiores do Pavilhão 09 ficou impedido, enquanto a PM dava ordens aos detentos para que removessem os corpos dos corredores e celas a fim de empilhá-los no 1° andar. As atividades da perícia foram atrapalhadas pela quantia alta de cadáveres e pela limpadura feita no presídio pelos policiais militares e a remoção ilegal dos corpos ordenada pelos oficiais.
Com o trabalho extremamente dificultoso, a perícia concluiu que só 26 detentos foram mortos fora de suas celas. Os presos massacrados foram atingidos na parte superior do corpo, em regiões fatais como cabeça e coração. Os exames de balística informam que os alvos sugerem a intenção premeditada de matar. Números dessa pesquisa revelam que um detento tinha 15 perfurações de disparos de arma de fogo no corpo. No total entre os 103 mortos, a cabeça foi alvo de 126 balas, o pescoço alvo de 31, e as nádegas levaram 17 balas. Os troncos tiveram 223 tiros. Os laudos periciais terminaram por concluir que vários detentos mortos estavam ajoelhados e deitados, quando foram atingidos. Diante de tanta brutalidade, muitos detentos se jogaram sobre os corpos que estavam no chão, se fingindo de mortos para conseguir sobreviver.
Ubiratan Barbosa foi acusado diretamente por 102 mortes. Mas foi absolvido, utilizando o argumento que agiu no "estrito cumprimento do dever" ao dar a ordem para que os policiais militares invadissem o pavilhão 09 do Carandiru.
Mas hoje não está aqui para se defender deste caso.







































[1] Fonte de pesquisa: “Massacre do Carandiru, Chega de Impunidade”, elaborado pela Comissão Organizadora de Acompanhamento para os Julgamentos do Caso do Carandiru

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