segunda-feira, 7 de abril de 2008

Borboletas

“Viva as borboletas coloridas, que nascem da fumaça preta!” (Cleiton Muniz)

Quando abri os olhos vi uma borboleta agitar-se pra lá e pra cá perto de minha barraca, cena que não imaginava ver tão repentinamente, ao mesmo tempo que, múltipla e imóvel se encontrava, semelhante a um objeto de amor contido em meu desespero de olhar aquele inseto aflito, comovido naquela noitezinha de espera, de desespero num devir constate, conturbado de múltiplas faces que se olham descontinuamente...
Suas asas são coloridas e ficam elevadas, perpendicularmente em relação ao corpo, quando a borboleta pousa, sua crisálida não é protegida pelo casulo. O fato é que a parcos passos vejo que ela possui algumas cores, não sei como defini-las; inconstante, airada, volúvel, ai que dó de mim!
Depois de esvoaçar assaz em torno de mim, a borboleta ficava ali parada no cantinho da barraca se movimentando lentamente, contudo, não conseguia avistar aquela longa distância desvanecendo-se incertamente em meus olhos, e soube-me conservar naquele casulo que se foi proliferando aos poucos em meu corpo; feito uma metamorfose ambulante, saí de lá e encontrei seu Antônio pela cozinha a preparar algo pra comer “mas menina, o que está fazendo aqui a estas horas na cozinha?” disse-me diretamente; olhava pro seu Antônio sem nada falar, meu gesto é miúdo, moído e pequeno na tentativa de dizer alguma coisa “estou procurando algo pra comer...”.
“Tome, coma bem”.
O gesto brando de seu Antônio começou-me a mover asas de volta pra barraca, acho que estava sendo pupa! E quando volto rapidamente vejo ela ali parada, a borboleta esvoaçando pra lá e pra cá em vários movimentos inconstantes; a fato é que aquele escárnio estava me aborrecendo a ponto de pegar um pano e jogar em cima dele, mas não conseguia acertar-lhe, e este movimento se repetia diversas vezes até que num acurado momento a acertei, e ela caiu.
Confesso que senti-me aliviado com o acontecido.
Sem piedade, peguei-a levemente e joguei pra fora da barraca e deitei-me novamente...mas ela não caiu, seu corpo se torcia mansamente na busca de vida, e quando dou por mim não a vejo mais num expiro de segundos.
“Mas que diabo de cor é esta borboleta?!” pergunto-me.
Não havia entendimento sobre o visto, diante disto tento dormir pra esquecer esta maldita borboleta que vem e me atormenta a todo o momento...mas perece que é pura pachola, se não fosse então, o que seria? O fato é que ao dormir, ao fechar os olhos, vinha em minha mente a imagem daquela borboleta voando pra lá e pra cá sem parar, configurada numa insensata agitação que é-lo de matar qualquer um!
Quando dou por mim, meus olhos estão mais do que acordados, leves, abertos até o último momento de balanços de sua ingenuidade que minguam no ambiente de nevoeiro incolor.
“Mas que diabo é a cor desta borboleta” pergunto-me novamente.
Sem saber o que fazer, e com dores demasiadas insossas, ao impulso da tranqüilidade que me carrega docemente, saí novamente da barraca e comecei a andar pelo jardim tentando esquecer aquele momento boçal que me incomodava feito o mistério de não saber nada do acontecido; a coisa que estava ali parada e que não tinha definição era um volumoso interstício de intervalos descontínuos que desaparecia parcamente ao alvor dos olhos; não sabia o que fazer, mas tinha medo daquela visão desorganizada que invariavelmente profunda dava-me segurança de aventurar-me no desconhecido; soneguei mexer no que encontrava-se estático, por isso voltei novamente a cozinha e dessa vez não fui comer nada, apenas acendi um cigarro e sentei na cadeira de balanço e por lá fiquei com minhas tragadas desafiando as horas compridas repleta de viuvez, revivendo instantes efêmeros, acalentado risadas do dia junto aos amigos, que inconfessáveis, eram as melhores companhias independente do arzinho pomposo que outros locais traziam.
Meu cigarro esfacelava-se a cada tragada, mas isso não era problema nenhum, aliás, o que havia de importante naquele momento a não ser estar neste local maravilhoso? Queria esquecer as coisas práticas do dia a dia que matava-me só de lembrar: ah...responsabilidades! ai que dó de mim!
Já se passavam das três horas do manto escuro que nos cobre diariamente, foi quando num inesperado momento, Fátima, esposa de seu Antônio, surge na cozinha e me vê na cadeira de balanço folgadamente fumando um resto de cigarro “mas o que faz aí meu filho? Está pensando na vida? Na namoradinha que deixou em casa? Rindo levemente ela balança a cabeça negativamente, ah, esses jovens de hoje...o que querem da vida?”.
Única coisa que faço é olhar pra Dona Fátima e dizer “veja, quer coisa melhor do que isso? Contemplar esta noite, as estrelas, este ar puro e estas pessoas? Pra mim não há coisa melhor do que isso, ficar por aqui, jogar um xadrez, jogar conversa fora, beber uma cerveja...é a vida que gosto de levar; vagabundo incondicional!”.
“Você fala isso por que não fica o ano todo por aqui, está acostumado com a corrida diária de sua cidade, e quando o cansaço atinge níveis extremos, procura um local mais aconchegante pra descansar...”.
“Esqueçamos; ouça o som do mar, não é maravilhoso?!”.
“Tem outra coisa que você não prestou atenção?”.
“O quê?”.
“Os ventos; eles são imperiosos e ao mesmo tempo delirantes....senti-los próximo dos ouvidos, como se quisesse dizer alguma coisa é encara-lo de forma branda e tranqüila seu envaidecer...”.
“Realmente é muito belo”.
Depois de tanta conversa, Dona Fátima olha-me dos pés a cabeça como se a seriedade tivesse a vez no momento e disse”que mal lhe pergunte, desculpe, mas não tenho nada a ver com isso; mas...está com sono?”.
“Um pouco...é que na minha barraca tem uma borboleta que está incomodando-me mansamente”.
“Mas são difíceis borboletas ficarem por dentro das barracas...?”
“Eu consegui expulsá-la, estou apenas fumando um cigarro”.
“Excelente, boa noite pra ti”.
“Igualmente Dona Fátima”.
No extremo deste pequeno lugarejo, os ventos nos oferecem, em contraste, suas riquezas, refiro-me a estes silêncios repletos de contorções nuamente construídas ao longos dos tempos, não havia preocupações nem tampouco rematar a aventura dessa densidade de cores que esvaeciam aquelas cores elusivas de velho desbotado de desfalecimento, ai que dó de mim!
Que pachola!
Uma graça casta!
Meus olhos restituíram de consolação com o equívoco daquela borboleta que voejava novamente...um delito virginal que rodava minha cabeça, ao meu corpo balançar, como se faltasse apoio do solo, cujas ramagens retorcidas escapavam-me ao salto dos olhos; tentei alcançar mais adiante, com as mãos que se pôs a girar suave coisa nenhuma em grande velocidade.
Que pachola!
Ai que dó de mim...

Barra do Una, janeiro de 08

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