terça-feira, 29 de setembro de 2009

Esquadros

Naquela noite em que a chuva mostrava-se tranqüila, as águas caiam lentamente nas ruas, ficava em casa apenas a olhar pela janela a água cair como se fosse uma lágrima de paixão. Esta água, que me pesa a cada gotinha que cai, é um ornamento efêmero da vida que penso e me desfaço, como a chuva clara de noite obscura e que traz sentimentos dos quais nunca foram ouvidos antes, talvez uma resposta a uma vastidão clara em plena noite, do qual o canto que imagino e escoro nesta pequena janela é o ouvir das águas que escoam lentamente nas ruas. Este é um momento exímio de suave e harmoniosa paixão que me faz sentir a velha sensação ao lembrar das muitas noites e dias que vaguei em busca de fugacidade.
Nesta mesma janela, onde olho esta chuva intensa, tento ver os dias em que vivi tranqüilamente pensando apenas na família distante, em outra cidade, em outro estado, e em outros movimentos. Será que a chuva que cai lá é a mesma que cai aqui? Quiçá essa chuva que percorra essas pequenas ruas que estão a olhar não seja de hora amena, que vem e se desfaz na piedade de paixão. Talvez fosse; agora que vejo com nitidez, meus olhos delatam a espera de uma nova oportunidade que fomenta salvar aqueles que passam fome e que vagueiam em pobres súplicas busca de perfeição. Que inutilidade! Uma prece que novamente se opõe à vida.
Este, é um movimento que alude, que só de pensar nestas coisas, é um desafio mesmo aqui passado nesta pequena janela que exprimem olhares sobre a insaturável vida que não tenciona sentir o que não quer se sentir. Apenas, quer entender esses pequenos movimentos simples que dão tom e cor a essas águas que caem tão levemente e se desfaz nos ralos que dão destino a caminhos cada vez mais concretos; de sentir o chão que se cai sobre nós em instantes efêmeros de vida que vem resilido como águas de chuva que caem como gotas de paixão: desordenadas, sem destino e que rompe com tudo que há de caminhar em busca do que ainda não se sabe; gotas que caem levemente dos ramos e que não possui destino certo, como o chão e a terra.
Este é apenas um interior repleto de coisas; a mais alta concretude que não se sabe: decerto, quem diz coisas sobre isso é o decreto do tempo, que resgata a infância da fazenda, é um belo desenho! como se fossem quadros desenhados pelo melhor pintor da cidade. Quando voltava a esse sentimento, sentia alta dor de paixão de ser e estar sendo naquele momento.
Infância que completa minha vida!
Não tinha noção alguma a fazer considerações acerca de nada disso, sobre isso, sei que possuía um grande pélago demasiado que refletia em momentos tão naturais de meu passar nesta fazenda tão querida.
Tão pequeno e tão infinito.
Como a chuva que escorre por estas janelas.
Ao olhar lentamente como o olho biônico que traz cada vez mais perto a longa visão, esta pequena janela da qual me encosto resgata o toque de viola feito no boteco da esquina é ouvir a viola tocar no ritmo gostoso da boiada junto a uma imensidão de gente, era uma experiência que não tinha palavra alguma que a definisse com tamanha precisão. Ouvir o som da viola, rústica, calma, quieta, chorosa e acima de tudo apaixonante, era um instante em que esses simples homens conseguiam tocar realmente a todos ali na roda. Ali, via segredos desnudarem-se sem o menor conforto e sentimentos que ficavam expostos a olhos nus. Como esquadros distantes.
Aqueles que conhecem as pessoas com quem se podiam presenciar aquele momento, não estão mais desfrutando os prazeres da mesa que invadia nosso interior repleto de coisas, mesas entoadas, pessoas conversando, toques e mais toques de viola, desenhados, sobretudo, pelo melhor artista da região; o homem simples da fazenda; o toque de viola feito por mãos enternecidas, rústicas e que acima de tudo eram bem executadas em seu ato de tocar humilde, refletia no mais doce e profundo sentimento dignos do orgulho da modéstia refletida como espelhos d’água nos olhos dessa gente simples.
O toque de viola, toque do coração humano, do sentimento daqueles que expressam o interior das coisas, é o momento de ficar consigo mesmo, uma dura solidão; batalha em busca dos causos não acontecidos e incididos do povo; esse olhar cheio de coisas que reflete na busca constante do que não temos tempo de viver novamente; é a paixão que nos estava destinada dentro desta esfera humilde nas coisas mais simples da vida; fato como esse, simplesmente é o esfacelar do dia a dia que vem e destrói como a chuva que cai cá neste instante como momentos espúrios; vão embora sem perceber a circunstância deles.
Esta pequena janela, é apenas um pequeno conversar, a ponto de esquecer-me no resgate de mim mesmo; que no desprezo de outras questões, prendiam na doçura de escapar de qualquer entendimento.
Feito o chão e a terra.

Um comentário:

Elaine Cristina disse...

Mesmo sabendo do que se trata, não consegui deixar de me projetar ao reler o texto. Chuva, janelas... solidão ou o fim da solidão!