sexta-feira, 14 de maio de 2010

Voar fora da asa


Manoel de Barros é um daqueles poetas que a crítica ignora. Não faz diferença alguma, o poeta não precisa dos comentários daqueles que escrevem para dizer o que é boa e má poesia. Uma das características do poeta é o reuso dos objetos desprezados pelo cotidiano. Alguns de seus poemas levam até mesmo a reflexão sobre o que estamos fazendo aqui em meio a tanta informação. Ao fazer travessuras com a linguagem, Manoel de Barros deve provocar a ira daqueles puristas lingüísticos, tais como Bechara e o Prof. Pasquale. Não importa. Escrevendo em seu idioma, Idioleto manolês archaico, Segundo o poeta: “idioleto é o dialeto que os idiotas usam para falar com as paredes e com as moscas. Fato este que me faz gostar tanto deste poeta, atrapalhando as significâncias.
Eis um poema do poeta.

II

Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao pente funções de não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha.
Usar algumas palavras que ainda não tem idioma.

VII

Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
Comuniquei ao padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O padre falou ainda: Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? – ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas-
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.

* BARROS, Manoel. O livro das ignorãnças. Rio de Janeiro. Ed. Record. 1993

Um comentário:

Essência e Palavras disse...

Voar vora das asas.. vivo fazendo isso...

beejo, muito bom o texto!